Com criogenia e uso de bactérias, cientistas procuram meios de driblar a morte

SAMUEL FERNANDESPARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) - Com 30 anos, Vinícius Vilela gosta quando as pessoas dizem que ele aparenta ser mais jovem do que é.

Foto de Meu Quadradinho Por Meu Quadradinho
31/03/2024 às 09:03:11 - Atualizado há

Vilela, que mora no Canadá, mas nasceu em São Paulo, é um dos membros da Alcor, uma organização com sede nos Estados Unidos que utiliza a criogenia em corpos de pessoas que faleceram. Talvez um dia seja possível reanimá-las. Mas, por enquanto, tudo é só ficção científica, reconhece Vilela. "Hoje em dia, é impossível."

Carla Regina Alves, coordenadora do Laboratório Multiusuário de Criogenia da UFF (Universidade Federal Fluminense) e sem relações com a Alcor, explica que a técnica de congelar matéria orgânica começa com a produção de nitrogênio líquido, área em que ela atua na universidade.

O nitrogênio líquido é feito a partir do nitrogênio encontrado no ar. Depois de captada por máquinas específicas, a substância é transformada na forma líquida, que fica em -196ºC. É esse líquido que possibilita resfriar materiais biológicos, algo que não é feito no laboratório coordenado por Alves, já que o trabalho dela é só fornecer o elemento para outras instituições.

No Brasil, não há conhecimento de um laboratório que ofereça um serviço de congelamento de corpo com a promessa de reanimá-lo no futuro. Essa técnica, porém, é usada para outros fins, como preservar óvulos e espermatozoides. "O sucesso do congelamento já é um fato", diz Alves.

O problema maior no caso da criogenia de corpos ou órgãos humanos é o descongelamento. Para materiais mais simples, como células, é mais fácil descongelar sem causar estragos substanciais. O mesmo não pode ser dito do corpo humano.

"Em um organismo tão complexo, [...] se esse descongelamento não for feito de forma a preservar o material, isso pode trazer algum tipo de dano que ainda é desconhecido", diz a pesquisadora da UFF.

Esse também é um ponto que inquieta James Arrowold, copresidente da Alcor. Ele confirma que ainda não se sabe como fazer o descongelamento sem criar problemas em órgãos mais complexos. Mas isso não o desanima -a Alcor financia pesquisas para tentar solucionar o imbróglio.

"A tecnologia de reanimação deve ser desenvolvida primeiro em escalas menores, como para órgãos como rins, o que a Alcor entende que deve ocorrer primeiro e, portanto, apoia a pesquisa sobre as etapas incrementais", afirma.

Com esse desenvolvimento, talvez seja possível solucionar como descongelar o cérebro, que é a meta mais ambiciosa, pela dificuldade de não causar estragos ao órgão, mas também muito importante no objetivo de trazer alguém de volta à vida. "A meta é acessar o cérebro, as memórias, a personalidade", diz Arrowold.

E o preço para pagar por esse serviço, mesmo sem garantia do que ocorrerá no futuro, é alto. Na Alcor, passa de R$ 1 milhão.
No caso de Vilela, o desenvolvedor de software, ele diz ter feito um seguro de vida que assegura o pagamento dos custos da criogenia do seu corpo.

E, apesar de tantas incertezas, ele se mantém confiante de que, um dia, o dilema do descongelamento será superado. "Hoje, acham que é coisa de louco [...] congelar gente para voltar à vida. Tudo bem, hoje é coisa de louco, mas talvez algum dia seja possível, e, se for, eu gostaria de fazer parte disso."

Mas ele também diz acreditar que a medicina precisa avançar e melhorar a qualidade de vida para que a suposta ressurreição de uma pessoa realmente seja interessante. Afinal, continua Vilela, "não adianta trazer de volta uma pessoa que morreu para ela ficar com o corpo todo 'zoado'".

E, de certa maneira, é exatamente isso que Karl Lenhard Rudolph pesquisa. Ele não tem envolvimento com criogenia -na realidade, nem acredita que a técnica será um sucesso para organismos complexos. Rudolph é chefe do grupo de estudo em células tronco e metabolismo no Instituto Leibniz sobre Envelhecimento - Instituto Fritz Lipmann (FLI), na Alemanha.

Nessa organização, diferentes pesquisas são feitas para tentar prolongar a vida humana e melhorar a qualidade de vida diante do envelhecimento. E um desses métodos é a realização de uma dieta restritiva. Segundo Rudulph, ingerir cerca de 70% do total que uma pessoa normalmente comeria pode ajudar a aumentar a longevidade.

A explicação de por que isso acontece envolve o metabolismo e o desenvolvimento do organismo humano. Embora importantes, ambos os procedimentos têm efeitos colaterais. O processo metabólico, por exemplo, causa oxidação no organismo, gerando danos no DNA. E, ao se alimentar, o metabolismo de uma pessoa é ativado -ou seja, comer menos seria uma solução para evitar parcialmente esses danos.

Estudos em camundongos indicaram que uma dieta restritiva tem associação com um aumento de 20% a 30% na expectativa de vida desses animais, afirma Rudolph. Entretanto, as evidências ainda precisam aumentar e incluir pesquisas em humanos. Além disso, estudos já feitos mostram que essa dieta precisa ser adotada ainda quando jovem e ser mantida pelo resto da vida, o que é um desafio.

Outra linha de pesquisa envolve as bactérias do estômago humano. A presença desses seres é importante para o adequado funcionamento do organismo de uma pessoa. No entanto, estudos observaram que, com o passar dos anos, esse complexo sistema de bactérias é alterado, o que pode causar um desequilíbrio e, consequentemente, aumentar a inflamação do organismo humano. "O processo de envelhecimento meio que é acelerado", resume Rudolph.

Uma possibilidade para contornar essa situação é transferir bactérias de uma pessoa mais jovem para uma mais velha. Estudos ainda precisam ser feitos em humanos, mas pelo menos em peixes a técnica parece funcionar. "Em peixes, já foi demonstrado que é possível transplantar bactérias do intestino de jovens [em animais mais velhos], e o peixe vive mais tempo", diz Rudolph.

Ainda existem outros métodos para lidar com o envelhecimento, e um deles inclui genética. Mayana Zatz investiga o assunto no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL). A instituição é vinculada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por ser um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid).

O estudo coordenado por Zatz trabalha com idosos que são resistentes a diferentes problemas de saúde, como a Covid-19. "Essas pessoas têm genes de resistência, aguentam qualquer desaforo do ambiente."

A ideia é entender quais genes estão associados a essa característica. A técnica parte do princípio da reprogramação celular, em que, a partir do sangue, as células são reprogramadas para o estado embrionário e se estuda a linhagem genética das pessoas resistentes. Então, se entende que genes são associados a resistência ou o que eles produzem para causar esse efeito.

O objetivo é que, no futuro, seja possível fazer alterações nos indivíduos que não contam naturalmente com esses genes relacionados à resistência. Ou seja, seria possível transmitir essa característica para a população em geral, o que evitaria problemas de saúde e, consequentemente, aumentaria a longevidade.

A área é objeto de estudo não só do grupo de Zatz, já que pesquisas semelhantes ocorrem ao redor de todo o mundo. Mas, até o momento, é uma ideia para o futuro -os estudos são preliminares e ainda falta muito para prolongar a vida humana, seja por esse método seja por outros.

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Fonte: https://www.noticiasaominuto.com.br
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