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Daqui até fevereiro, caras leitoras e caros leitores, vocês serão bombardeados na mídia com o nome de Hugo Motta (Republicanos-PB), um deputado federal até aqui inexpressivo, sem nenhum projeto que tenha marcado seus 14 anos de mandato na Câmara dos Deputados. Contudo, graças a um grande acordo nacional, que passa pelo atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), pelo PL de Jair Bolsonaro, pelo PT de Lula e até pelo PCdoB e pelo PV (Partido Verde), esse médico de um clã político da Paraíba de apenas 35 anos de idade deverá comandar a Câmara. A imprensa diz que ele já tem o número suficiente de votos para ser eleito.
Nos próximos dois meses e meio, Motta vai aparecer com frequência cada vez maior em programas de TV, vídeos na internet, reportagens de jornal e rádio. Deverá ser tema ou convidado de vários podcasts. As tramas políticas de Brasília serão esquadrinhadas. O noticiário vai girar em torno de nomes e siglas. Quem-se-reuniu-com-quem, quem-prometeu-cargo-a-quem ou quem-sai-perdendo-quem-sai-ganhando serão as pautas diárias. É uma cobertura exaustiva e repetitiva, ainda que certamente necessária.
Mas o que vocês não verão, ou verão muitíssimo pouco, é Motta ser questionado em público sobre suas posições a respeito da emergência climática, do futuro da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal, do papel do agronegócio e das petroleiras nisso tudo e dos direitos indígenas (lembrando sempre que as terras indígenas se constituem verdadeiras barreiras à destruição dos biomas).
Esse silêncio ocorre porque a mídia não incorporou o meio ambiente como uma pauta política transversal. Apesar de tudo a que o país assiste em termos da emergência climática, com secas históricas convivendo com tempestades e enchentes, os veículos de comunicação tradicionais de modo geral continuam a colocar o tema socioambiental em um nível de interesse secundário. Com raríssimas exceções, não é objeto da análise política diária associada ao noticiário político diário. A cobertura política não dialoga com a cobertura ambiental (se e quando ela existe).
A editoria de Política, com todos os seus inúmeros comentaristas que funcionarão a todo vapor a propósito da eleição da Câmara, continuará não associando, ou não cobrando ou não falando, em suma, sequer pautando, os temas ambientais com o senhor Hugo Motta. Não há muita curiosidade em saber o que ele pensa e o que pretende fazer sobre preservação dos biomas e direitos dos povos originários.
No sentido contrário, seremos informados sobre todas as articulações partidárias dos bastidores. Mas sempre de forma desconectada dos outros temas, como se os acordos políticos não tivessem um impacto nas políticas e decisões de entes públicos que moldam o presente e o futuro do país e do planeta. São realidades paralelas que o noticiário não coloca para conversar.
Um pequeno exemplo recente: há poucas semanas, o presidente do União Brasil, Antonio Rueda, estava ao vivo no estúdio da TV GloboNews falando aos jornalistas sobre o resultado das eleições municipais. A conversa, porém, teve que ser interrompida para que entrasse ao vivo um correspondente nos Estados Unidos com imagens e informações dos efeitos avassaladores do furacão Milton. Fim da notícia, volta para o estúdio. Em vez de ser indagado sobre a posição do seu partido sobre a emergência climática, Rueda foi instado a continuar sua análise sobre o desempenho do seu partido nas eleições. Parecia uma cena de Não olhe para cima.
O União Brasil elegeu 591 prefeitos. Uma parte expressiva está concentrada em estados do Centro-Oeste e do Norte, justamente onde estão os biomas mais ameaçados pela expansão do agronegócio, do garimpo e do desmatamento. Em Goiás e Mato Grosso, estados em que a força do agronegócio avança de forma implacável sobre o Cerrado e a Amazônia, o União foi o partido que mais elegeu prefeitos. Em Mato Grosso, vai governar 60 dos 142 municípios. Contudo, o que o presidente do partido pensa sobre o futuro desses biomas parece não ser interessante.
Já não é possível – e alguma vez foi? – pensar num futuro para o país se os líderes políticos não forem convidados a se explicar sobre o tema socioambiental. Isso é ainda mais urgente quando falamos do presidente da Câmara, que tem o poder de definir a pauta de votações e acelerar ou segurar projetos, entre tantos outros poderes.
O que esperar de Hugo Motta? Há diversos indicativos sobre o que o parlamentar pensa a respeito do meio ambiente e das terras indígenas. Sabendo o que ele já fez, dá pra imaginar o futuro – e o prognóstico não é nada bom ou, melhor dizendo, é terrível.
Uma primeira informação é fundamental: Motta integra as bancadas ruralista e evangélica. Em março de 2022, Motta votou favoravelmente à urgência para o projeto que abre as terras indígenas à mineração. Contrariando a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), tornada lei duas vezes no Brasil, a Câmara de Arthur Lira jamais ouviu os povos indígenas sobre essa medida que atinge sua vida tão diretamente. Motta não viu problema nenhum nisso: foi lá e carimbou seu apoio.
Um ano depois, Motta orientou o seu partido e votou a favor da urgência para o PL 490/2007, que abre as terras indígenas para todo tipo de negócio e cria a tese jurídica ruralista do "marco temporal" contra a demarcação de terras indígenas. O PL já fora declarado e reafirmado inconstitucional pelo Ministério Público Federal (MPF).
Mas, para Motta, o importante era fazer um acordo com os ruralistas, como ele próprio esclareceu na tribuna da Câmara: "Nós discutimos internamente entre os nossos partidos, dialogamos com a FPA [Frente Parlamentar da Agropecuária], com cujo [sic] presidente, deputado Pedro Lupion, que aqui está, eu estive, e acertamos para hoje apoiar a urgência desse projeto que nós entendemos ser importante para o país. Nós já estamos marcando com o relator da matéria, deputado Arthur Oliveira Maia, para que ele possa fazer o périplo pelas bancadas, explicando o seu texto, colhendo sugestões, a fim de que, na próxima semana, possamos apreciar esse projeto, que é tão importante para o Brasil".
A tese jurídica do "marco temporal" foi igualmente aprovada, com o voto de Motta, sem nenhuma consulta aos povos indígenas. Esse projeto tem o agravante de ter sido promulgado logo depois de o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) ter declarado a mesma tese inconstitucional. A aprovação do projeto foi uma vingança aberta da bancada ruralista contra o STF.
Todos os dados sobre Motta no campo socioambiental são perturbadores. A organização não governamental Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em parceria com a Rede de Advocacy Colaborativo (RAC) e mais de 60 ONGs, criou, após as eleições de 2022, a Virada Parlamentar Sustentável, que se apresenta como um "movimento com o objetivo de promover uma mudança significativa nos rumos da política socioambiental". Ele pretende "criar pontes entre a sociedade civil dedicada ao desenvolvimento sustentável e o Poder Legislativo".
A Virada criou o "Farol Verde", uma base de dados pela qual as pessoas podem saber se o parlamentar está ou não "defendendo a pauta socioambiental", e estabeleceu um Índice de Convergência Ambiental Total (Icat). Para a definição do índice, levou em conta as principais votações em plenário relacionadas a matérias socioambientais na Câmara e no Senado de 2023 a 2024, além dos resultados de aprovação e rejeição das propostas, os votos em destaque e os registros de abstenção e obstrução.
Foram listadas, por 87 ONGs e três frentes parlamentares, um conjunto de 78 matérias "consideradas positivas ambientalmente" e 30 matérias de perfil ambiental negativo extraídas do chamado "Pacote da Destruição", um conjunto de 27 projetos de lei e três Propostas de Emenda à Constituição (PECs).
Pois bem, na pesquisa Hugo Motta recebeu um Icat de apenas 8%, comportamento considerado "Péssimo". Na votação de seis principais matérias socioambientais, ele teve um indicador "Péssimo" em cinco delas. Em apenas uma foi um pouquinho melhor, ou seja, "Ruim". Em suma, Hugo Motta é um desastre do ponto de vista da responsabilidade socioambiental no Congresso Nacional.
Para se ter ideia do desempenho de Motta, basta dizer que o comandante da bancada ruralista, Pedro Lupion (PP-PR), um adversário ferrenho das pautas de defesa socioambiental, recebeu um Icat de 6%, ou seja, apenas dois pontos percentuais abaixo do de Motta.
Esses antecedentes de Motta devem preocupar o movimento indígena. Na semana passada, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou um "Alerta Congresso" com a lista de projetos e PECs que "ameaçam os direitos indígenas na Câmara e no Senado".
Na Casa de Hugo Motta estão quatro matérias problemáticas. O PL 8.262/2017, que aguarda apreciação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, autoriza o despejo imediato de ocupantes de terra pelas polícias Militar e Federal sem a necessidade de decisão judicial. Mira principalmente atingir os povos Guarani de Mato Grosso do Sul e do Paraná. O PL 4.183/2023 impõe a criação de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica aos movimentos sociais e populares com a intenção de criminalizá-los.
Hoje a ameaça mais urgente está no Senado, uma PEC (48/2023) que pretende inserir na Constituição a tese do "marco temporal". Outra PEC (36/2023) quer alterar a Carta a fim de permitir a exploração das terras indígenas a "qualquer atividade econômica, de forma direta e até por arrendamento". Em suma, mais desmatamento e destruição ambiental.
"O pacote de desconstitucionalização ameaça nossos corpos e territórios de diversas formas. [ ] Os ruralistas também estão tentando mudar os procedimentos para inviabilizar as demarcações de terras indígenas, inclusive tirar a função da Funai e passar para o Congresso. Um pacote de absurdos!", escreveu a Apib.
A se confirmarem as últimas previsões, o futuro presidente da Câmara que lidará com essas questões será um médico conhecido como "pupilo" do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ). Ele foi da "tropa de choque" de Cunha e integrou as bases aliadas dos ex-presidentes Michel Temer (MDB-SP) e Jair Bolsonaro (PL-RJ).
Em 2022, numa entrevista à rádio CBN de João Pessoa (PB), Motta foi questionado sobre apoiar o governo Bolsonaro, mas estar distante ("alienado") do governador João Azevedo (Cidadania), que condenava o comportamento de Bolsonaro durante a pandemia da covid-19. Motta disse que ele não era uma coisa nem outra.
"O meu mandato tem a independência necessária para votar o que é bom para o Brasil e o que é bom para a Paraíba. Nós temos aqui uma aliança, o nosso partido está na base de apoio do presidente Bolsonaro votando aqui o que nós entendemos ser importante para o país", disse Motta.
Com seu índice de "Péssimo" no campo socioambiental, é difícil dizer que Motta votou "no que é bom para o Brasil". Pena que, muito provavelmente, ele nem será devidamente cobrado sobre isso daqui até fevereiro.
Fonte: Agência Pública