O aumento das denúncias de abandono e negligência contra idosos no Brasil traz à tona a grave questão da saúde mental na terceira idade. Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) apontam que, em 2024, mais de 40 mil denúncias de violações contra pessoas com 60 anos ou mais foram registradas nos três primeiros meses do ano um crescimento de 28,17% em relação a 2023.
Entre as principais violações relatadas estão: negligência (17,51%), exposição de risco à saúde (14,68%), tortura psíquica (12,89%) e maus-tratos (12,20%). Embora o Estatuto do Idoso, instituído pela Lei n.º 10.741 de 2003, assegure os direitos dessa população, o aumento das denúncias expõe fragilidades no cumprimento da legislação.
A negligência e o isolamento social, muitas vezes associados ao abandono, são fatores que contribuem diretamente para o agravamento de transtornos mentais, como depressão e ansiedade. Segundo a neuropsicóloga Aline Gomes, a solidão na terceira idade não está necessariamente ligada à presença ou ausência de familiares, mas à qualidade das conexões. "A falta de interação significativa pode agravar problemas emocionais e físicos, mesmo em idosos que convivem com cuidadores ou familiares", explica.
Estima-se que 20% da população idosa mundial sofra de algum transtorno mental, sendo que 7% enfrentam depressão ou demência. No Brasil, o estigma cultural em torno da saúde mental dificulta a busca por ajuda. Muitos idosos e seus familiares enxergam transtornos como depressão e ansiedade como parte do envelhecimento, atrasando o diagnóstico e o início do tratamento.
Além disso, a resistência em procurar psicólogos ou psiquiatras, frequentemente associados a preconceitos como "sinal de fraqueza", ainda persiste. A pandemia, contudo, começou a romper algumas dessas barreiras, aumentando a conscientização sobre a importância do cuidado emocional em todas as idades.
Rede de Apoio
Iniciativas como a CABPREV, exemplificam ações que podem oferecer suporte jurídico e emocional aos idosos. Contudo, o enfrentamento dessa crise requer políticas públicas mais abrangentes, que integrem saúde física e mental e combatam o estigma associado ao envelhecimento.
A neuropsicóloga Aline Gomes reforça a importância de entender e respeitar os limites de cada idoso: "O objetivo não é impor soluções, mas oferecer apoio dentro das possibilidades de cada um, garantindo qualidade de vida e bem-estar."
O Brasil, com 31,2 milhões de idosos registrados em 2021, enfrenta o desafio de preparar-se para uma população mais velha que deve dobrar até 2050. Os dados de 2018 do Ministério da Saúde são alarmantes, indicando que a taxa de suicídio entre idosos acima de 70 anos é de 8,9 por 100 mil - quase o dobro da média nacional, de 5,5 por 100 mil habitantes.
Para especialistas, a solução passa pela ampliação do acesso a serviços de saúde mental, pela inclusão de avaliações emocionais em consultas de rotina e pela conscientização das famílias. "Oferecer suporte emocional, promover atividades comunitárias e fortalecer vínculos familiares são passos essenciais para melhorar a qualidade de vida dos idosos", destacam os psicólogos Êdela Nicoletti e Vinicius Dornelles.
Fique atento
Para identificar possíveis transtornos, familiares e cuidadores devem prestar atenção em sinais como mudanças no apetite, no sono, falta de interesse em atividades, irritabilidade e isolamento. Além disso, emoções manifestadas de forma mais sutil, como choros contidos ao olhar fotos antigas ou ao conversar com alguém por vídeo, também podem indicar um sofrimento emocional. "É crucial observar essas mudanças e buscar ajuda especializada, como um psicólogo ou psiquiatra, para oferecer o suporte necessário e evitar o agravamento de problemas emocionais", apontam os especialistas.
Outra maneira de preservar a saúde mental nesta faixa etária é com atividades como leitura, exercícios físicos regulares, jogos que estimulam o cérebro, socialização e aprendizado de novas habilidades. A interação com pets também é extremamente benéfica, proporcionando companhia e momentos de afeto. Sistemas eletrônicos, como a Alexa, podem ser aliados surpreendentes.
"Uma senhora que foi nossa babá e mora conosco até hoje, agora com 94 anos, conversa frequentemente com a Alexa, pedindo para tocar músicas para ela dançar ou para fazerem uma oração juntas. Essas pequenas ações não apenas mantêm a mente ativa, mas também trazem conforto, alegria e um senso renovado de propósito", contam os psicólogos Êdela Nicoletti e Vinicius Dornelles.